sábado, 5 de janeiro de 2013

RETIRANTES DA SECA


Comunidade de Enjeitado na cidade de Solidão. Não por acaso, apenas quem mora lá, num raio de vários quilômetros, é Maria Neves da Conceição, 47 anos. Todo mundo foi embora e quem consegue chegar à casa dela não precisa perguntar o motivo. A estrada é um vão forrado por pedras entre uma vegetação tão estorricada que o cenário lembra ferrugem. É quase impossível chegar até lá de carro. Imagine um caminhão com uma cisterna. Por isso, Dona Maria tentou a sorte em São Paulo, em junho deste ano. Mas a troca de Solidão pela multidão da capital paulista não deu certo.

No Sudeste, ela passou cinco meses fugida da seca, a família inteira, composta por sete pessoas. Ela não possui cisterna - nem de plástico nem de alvenaria. Também não tem poço.
A água vem do poço de um vizinho. Entenda-se por vizinho uma casa ao longe, que da propriedade dela se resume a um ponto cinzento.

O acesso difícil aliado à irregularidade de sua moradia não dão sombra de perspectiva melhor. Só pode concorrer à cisterna de polietileno quem tem tudo regularizado. "Não estava aqui para me cadastrar. E também não tenho terra; moro na terra dos outros. Por isso, não tenho acesso a outros benefícios", diz, ao mesmo tempo em que afirma contar como único auxílio R$ 200 do Bolsa-família. 

Para ter água, ela usa o velho balde. Amarra na ponta de uma corda e usa os músculos para trazer o líquido de volta. O problema é que a fonte já avisou que não vai colaborar por muito tempo. "Se acabar, vou ter que arrumar dinheiro para comprar. Não tenho boi pra ir buscar. Morrer de sede ninguém vai", garante.

Além da água, necessitará comprar também o acesso, já que nenhum caminhão-pipa consegue chegar lá.

Nem assim cogita fazer como seus vizinhos. "Moro aqui tomando conta. Todo mundo foi embora por causa da seca". São Paulo nunca foi opção, apenas uma tentativa de arriscar a sorte. "Morei lá durante 16 anos e nunca gostei; não deu certo".

A 20 minutos de carro de Maria das Neves, mora Rosileide Brasil, 24 anos. O local onde mora também carrega um nome sugestivo, principalmente nestes tempos de aridez: Caldeirão Grande. Lá a sensação de abandono é mais suave que em Enjeitado. Até por conta do acesso - a estrada é um tapete em comparação à anterior -, há mais vida e ela conseguiu uma maneira de armazenar a água. 

Mas nem por isso é menos dureza para quem mora por lá. O privilégio de Rosileide e sua família - filho, pai, mãe, irmã e sobrinho - é contar com uma cisterna de placa, recebida há seis anos. Mas o reservatório dela é um dos poucos por ali. Por isso, a água é salomonicamente dividida entre dez famílias. A origem, um caminhão pipa do Exército.

"De 15 em 15 dias vem um (caminhão) pipa. Dividimos com dez famílias e cada um leva dois tambores de água", conta. A água vai para banho e cozinha. Foi aberto um poço, mas a água era salgada demais. Para beber, é necessário ir até Solidão e comprar.

A diretora do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Solidão, Lucineide Gomes, reconhece a dificuldade para levar as cisternas de plástico às áreas de acesso mais complicado, como Enjeitado. Um dos motivos da grande quantidade de depósitos estocados na entrada da cidade. Segundo ela, chegaram em setembro e ninguém recebeu. 



A família de Maria Neves é a única que permanece em Enjeitado


Lucineide também afirma que a forma como são instaladas as cisternas de placa - ou alvenaria - facilitaria bastante quem mora em lugares ermos. "Muitas áreas de Solidão são de difícil acesso para passar o caminhão (único transporte para os aparelhos de polietileno). As de placa são mais eficientes porque o material para construção pode ser levado até em carros de mão", diz.

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